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A urgência pela definição da natureza das stock options

As chamadas stock options (SOPs) consistem em planos de incentivo de longo prazo, que permitem os empregados adquirirem ações da empresa. É uma modalidade utilizada por diversas companhias do mundo para atrair, reter e motivar executivos e funcionários.

No Brasil, a introdução das SOPs ocorreu por meio dos artigos 168, § 3º e 171, § 3º, ambos da Lei nº 6.404/76 – Lei das Sociedades Anônimas, os quais possibilitam às companhias a criação de planos de ações a seus administradores ou empregados, desde que dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral.

Ocorre que a previsão abstrata que a lei faz não basta para disciplinar os reflexos jurídicos que decorrem do ato da compra de ações em sociedades anônimas de capital aberto, que, na tentativa de atribuir significações, não é difícil notar a gama imensa de obstáculos e distorções.

Na amplitude de sua generalidade, existia uma expectativa do mercado que a regulamentação dos planos de SOPs viesse com o Marco Legal das Startups, especialmente porque a maioria das startups utilizam esses planos como diferencial atrativo, tanto por isso que durante a tramitação do projeto de lei existiram discussões específicas sobre o tema.

Fato é que a permanência da falta de regulamentação pode apresentar um entrave no incentivo das empresas.

Tratando especificamente da tributação, há uma grande discussão jurisprudencial sobre a natureza jurídica desses planos de compra de ações: se a natureza seria de remuneração ou mercantil. A relevância desse tema é a possibilidade de incidência das contribuições previdenciárias, caso entendidos como remuneração, que pode chegar à uma carga tributária para as empresas de aproximadamente 28,00%, considerando, em termos gerais, a cota patronal, contribuição de terceiros e alíquota do RAT.

O Tribunal de Justiça do Trabalho (TST) está consolidando cada vez mais o entendimento de que as SOPs possuem natureza mercantil¹ – o que afasta a tributação. Já para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o cenário ainda é controverso. Há decisões que entendem que as stock options possuem natureza salarial, outras, entendem pela natureza mercantil, afastando a exigência de retenção de IRPF – a depender da análise de cada caso.

Na ótica da jurisprudência trabalhista, as operações de compra de ação são apartadas do contrato de trabalho, diferente da remuneração, tratam-se de expectativas de direitos, especialmente pela existência de risco para o beneficiário, contrário ao conceito de salário traçado no artigo 2º da CLT, que não admite que os riscos do negócio sejam transferidos ao empregado.

Já nas turmas baixas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em acórdão divulgado em outubro de 2021, a 1ª Turma da 3ª Câmara da 2ª Seção de Julgamento, ao analisar o programa de SOPs elaborado pela contribuinte, entendeu que o objetivo da oferta de ações era remunerar e reter talentos e, inclusive, que o período de vesting do contrato se assemelhava a um período para retenção dos profissionais, diferente do prazo de carência encontrado nas operações de natureza mercantil².

Por outro lado, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção do Carf, em sessão realizada em novembro de 2021, entendeu que o plano de compra de ações da companhia era uma oportunidade para compartilhar o risco do negócio e, se tiver sucesso, partilhar dos resultados na condição de acionista, o que não caracteriza uma retribuição de serviço prestado. No acórdão, o colegiado cancelou o lançamento fiscal afastando a incidência do IRPF³.

O que tem sido notado é que o tribunal administrativo, em sua maioria, vincula o caráter mercantil a certas características, como: (i) voluntariedade, ou seja, liberdade na escolha da adesão ao plano de SOP; (ii) onerosidade – existência de pagamento pelas ações; (iii) risco de mercado, de forma que o beneficiário suportará o ônus no caso de acordo com a variação do mercado; (iv) inexistência de habitualidade e metas vinculadas.

No contexto de natureza salarial e contraprestativa, as SOPs são vistas como uma forma de remuneração variável com o objetivo de premiar e incentivar o bom desempenho dos executivos. Mas, como analisado acima, a tese remuneratória não é de todo defensável, porque é evidente o compartilhamento, pelo beneficiário do plano, dos riscos do mercado e da variação do valor das ações da companhia, o que, por si só, afasta do conceito de salário, protegido pelas normas trabalhistas.

O plano de oferta de compra de ações consiste, na sua essência, em uma relação meramente mercantil, pois, apesar de se formarem no curso da relação de trabalho, trata-se de um direito, a ser exercido ou não, por meio de instrumento particular, de compra de ações e que seu resultado dependerá das variações do mercado. Apesar do exterior utilizar tais planos como incentivo aos trabalhadores, no Brasil, a implementação das SOPs para esta finalidade certamente refletirá no aumento de encargos sobre a operação e consequente desestímulo das empresas no oferecimento dos planos.

Dessa forma, enquanto não há regulamentação sobre os planos de SOPs, é importante destacar que a análise diligente dos contratos de planos de SOPs é indispensável para evitar o impacto tributário nessas operações.

¹ “Não há na legislação trabalhista norma que trate das Stock Options. Tampouco há no Direito Previdenciário. A questão é encontrada na Lei das Sociedades por Ações (…) O contrato firmado entre o autor e a reclamada que possibilita a aquisição de ações da companhia é denominado como “stock options”, contrato de natureza mercantil, e sujeito aos riscos do mercado de ações. A possibilidade de vir a obter lucro com as ações porventura será adquirida totalmente dependente do mercado financeiro.” (TST – AIRR 11496-54.2015.5.01.0064, 8ª Turma, Relatora Dora Maria da Costa, julgado em 30/06/2021, DJe em 02/07/2021)
² CARF – Acórdão n.º 2301-009.329, sessão de 10/08/2021
³ CARF – Acórdão n.º 2402-010.654, sessão de 12/11/2021